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Apr 19 2013

O Som de “Uma História de Amor e Fúria” – Entrevista com Alessandro Laroca e Eduardo Virmond

 

Artesãos do Som* conversou com os supervisores de edição de som Alessandro Laroca e Eduardo Virmond sobre o trabalho sonoro no longa de animação Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi. Nessa entrevista, Laroca e Virmond falam sobre o desafio de criar os sons de um filme que se passa em quatro épocas distintas, sobre as peculiaridades do trabalho de som para animação e sobre a metodologia de trabalho empregada no 1927 Audio, estúdio onde os dois são sócios, e que é um dos mais importantes centros de pós-produção sonora do país.

 

Artesãos do Som: Como é que surgiu a proposta de trabalhar no filme?

Alessandro Laroca: Esse é um projeto bem antigo. Em que ano mesmo ele apareceu para gente, Eduardo?

Eduardo Virmond: Acho que ele surgiu logo depois do Tropa de Elite 2, em 2010. A pré-estréia do Tropa coincidiu com a primeira reunião em Curitiba do Uma História de Amor e Fúria. A gente encontrou com a Helena (Maura) que, a essa altura, já estava montando o filme. O filme é dividido em 4 períodos, 4 episódios. Nesse momento, os episódios 2 e 3 já estavam bem adiantados. O primeiro só tinha uns animatics e o quarto não existia ainda.

A.S.: Então vocês trabalharam no filme desde 2010?

E.V.: Sim, mas não de forma contínua.

A.L.: Teve pausas e tudo mais. Os episódios 1 e 4, a gente foi conhecer só no segundo semestre de 2011. Nesse mesmo período a gente fez também o Xingu, À Beira do Caminho, Paraísos Artificiais… Então o início foi em outubro de 2010 e a mix final acabou em janeiro de 2012.

 

A.S.: E como foi esse início de trabalho?

A.L.: De certa maneira, nesse momento eles já intuíam que o som seria um elemento muito importante para o filme. E o fato desse trabalho de som não existir ainda deixava todo mundo um pouco apreensivo. Era difícil imaginar o filme sem ele. A Helena era muito sensível a isso e durante o processo de montagem foi colocando uma série de sons, pelo menos para ter um guia, uma noção do que estava acontecendo com o filme deles.

E.V.: E mesmo com relação às vozes havia uma certa insegurança porque quando elas foram gravadas, evidentemente não havia nada animado ainda. Então, algumas coisas funcionavam, outras não funcionavam, e outras tantas não se sabia se iam funcionar ou não. Então, a gente começou um processo de trabalho similar ao que a gente utiliza em filmes de live action. A Helena mandava um primeiro corte de uma seqüência, a gente sonorizava; ela retrabalhava o corte com os sons que a gente tinha mandado; esse novo corte chegava até a gente, nós editávamos e mixávamos mais uma vez o som… várias idas e vindas até se chegar a um bom resultado.

 

A.S.: Vocês podem dizer de que forma o trabalho de som influenciou a montagem do filme nesse processo de idas e vindas que você descreveu?

E.V.: A maior influência do som foi no estabelecimento do ritmo, o tempo das cenas. E algumas coisas acabaram mudando um pouco sim em função do som. Por exemplo, no episódio 3, na cena da batalha de Caxias. Eu pedi para a Helena aumentar um pouco a duração de alguns planos, para separar melhor os sons dos disparos dos sons dos impactos das balas, evitando uma confusão sonora, o que acabou por imprimir um outro ritmo à seqüência.

 

A.S.: E quais foram as principais referências de vocês ao criar os sons do filme?

A.L.: A gente acabou chegando à conclusão de que esse filme pedia um trabalho de edição de som mais próximo a um filme de live action e não tanto quanto uma animação da Pixar, por exemplo. As referências de animações que eles nos deram viraram também referências de som para o filme: animações japonesas como Paprika, Tekkonkinkreet. Além do que, como os movimentos no Uma História eram mais lentos, a gente sentia que o som tinha que proporcionar uma certa fluência às imagens. E o modo mais adequado que a gente encontrou de fazer isso foi através de uma abordagem semelhante a que a gente tem em filmes de live action. A gente começou a fazer o foley de algumas cenas como em um filme de live action e percebeu que era isso que funcionava. Por outro lado, a utilização de sons pontuais, duros, não necessariamente cartunescos, como em filmes da Pixar não era capaz de dotar as imagens da mesma fluência. Mas não bastava fazer tudo igual ao live action também. Esse foi só começo do trabalho.

A.L.: Pois é, e a gente começou o trabalho pelos episódios mais simples, o 2 e o 3. Mais próximos da gente no tempo e também com pontos em comum em relação a outros filmes que a gente realizou aqui no estúdio. O episódio 3, da ditadura, por exemplo, que se passa nos anos 70, com cenas na favela… todo um universo que a gente já tinha explorado no O Ano em que Meus Pais Sairam de Férias, por exemplo.

 

A.S.: E nesse filme vocês se viram confrontados com certos elementos de filmes de gênero muito pouco usuais no cinema brasileiro. Eu posso citar o episódio 4, por exemplo, que se passa no futuro com todo um repertório de sons de nave espacial, diversos sons eletrônicos, armas futuristas… Como foi criar esses sons?

E.V.: Em animação você tem mais possibilidades do que em um filme comum. Isso torna o trabalho mais complexo também. Nesse filme, então, a gente ainda tinha esse desafio adicional já que ele se passa em quatro épocas diferentes que nada têm em comum umas com as outras.

 

A.S.: É quase como fazer quatro filmes em um…

E.V.: Quase não. É isso! Cada episódio pedia um conceito diferente de som: ambientes, meios de transporte, armas… Todo o processo foi muito prazeroso mas o volume de trabalho era tão grande que às vezes parecia que a gente nunca ia acabar. O episódio futurista foi ainda um capítulo à parte já que a gente não contava com nenhuma referência da realidade. Por exemplo, como fazer o som de um helicóptero high tech daqueles? É claro que a gente partia de sons de helicópteros reais, de uma base “orgânica” que a gente processava e juntava a outros sons, mas o desafio era muito grande.

 

A.S.: Mas se faltavam referências na realidade, vocês devem ter buscado outras no próprio cinema, no som de outros filmes, certo?

E.V.: Claro, o tempo inteiro. Aqui no estúdio a gente costuma dizer que qualquer coisa que a gente vá fazer já foi feita por alguém antes da gente. Então, se a gente vai trabalhar em um filme que tem uma perseguição de carro, a gente assiste a vários filmes com cenas de perseguição e procura entender como foi feito o som daquela seqüência.

A.L.: E também acontece da gente revisitar, repensar técnicas nossas. De olhar para trabalhos mais antigos e ver o que funcionou ou o que a gente pode agora fazer diferente.

E.V.: Fora o que a gente reaproveita de maneira mais concreta mesmo. Por exemplo, a gravação de tiros que a gente fez para o Tropa, a gente reutilizou nesse filme. Nessa época mesmo, a gente estava trabalhando também no Xingu. E é claro que a gente aproveitou uma série daqueles sons de índios no primeiro episódio do Uma História… Mas a gente também gravou sons originais específicos para esse filme. Uma coisa que parece simples, mas não é, são os sons de cavalo que foram gravados mais especificamente para o episódio da Balaiada. Todo o barulho das carroças, esse foley especial, foi gravado aqui em estúdio. A gente também gravou uma sessão inteira de vegetais sendo esmagados para simular golpes em seres humanos, coisas desse tipo…

 

A.S.: E vocês chegaram a gravar algo em externa ou o trabalho maior foi de foley gravado em estúdio?

E.V.: A gente se concentrou muito em foley mas existem elementos gravados em externas, principalmente no que diz respeito aos ambientes.

 

A.S.: Como vocês costumam gravar os wallas, por exemplo?

A.L.: Varia. Tem coisas que são gravadas dentro de estúdio e outras fora: na rua, no campo.

 

A.S.: Quando é fora é encenado ou vocês vão em algum lugar e gravam sem ser percebidos?

E.V.: Não, todos contracenados.

 

A.S.: Com relação ainda aos sons ambientes, eu queria que vocês falassem mais em detalhe da construção deles. Isso porque em geral as pessoas tendem a associar o som ambiente a uma espécie de ruído de fundo, um bafão indistinto. E eu percebo que os sons ambientes do filme de vocês são construídos a partir de uma multitude de elementos discretos, walla, foley… pequenos eventos sonoros. Por exemplo, quando a gente vai para um ambiente urbano no episódio 3. No plano geral da cidade, ao invés de escutarmos um simples bafão de trânsito, escutamos uma série de buzinas (sons tonais), o deslocamento de um só carro com um leve efeito doppler… tudo muito detalhado.

E.V.: Muitos editores de som preferem construir seus sons ambientes a partir de sons complexos. Complexos no sentido de que ele usa dois ou três ambientes estéreos onde cada um já tem vários eventos internos. Uma característica do nosso trabalho é evitar esse tipo de abordagem. Não apenas no caso dessa animação especificamente, mas em tudo que a gente faz aqui no estúdio. A gente constrói nossos ambientes a partir de elementos individuais. Ao invés de um ou dois ambientes de trânsito genéricos, a gente coloca uma buzina, por exemplo, que vai se somar a uma infinidade de outros elementos.

A.L.: Agora, é um princípio essa coisa de você trabalhar com esses eventos isoladamente. É uma questão de poder trabalhar melhor o som como composição.

 

A.S.: Com relação a esses diversos elementos que compõem o som ambiente, isso é de certa maneira “roteirizado” por vocês? Eu lembro que na seqüência da prisão, quando eles estão no pátio, você escuta um batuque ali no fundo…

A.L.: Esse batuque já existia. Não sei se foi um pedido do Luiz, da montagem… é um som que até não funcionava tanto assim. Depois, quando a gente começou a acrescentar outros elementos, ele acabou entrando. Então, a gente começou usar mais elementos como o walla… e tem o futebol também. Tinha uns caras jogando bola, umas coisas assim, que fizeram com que esse batuque funcionasse um pouco mais. Mas no geral, isso não é o tipo de coisa que seja “spotada” por um diretor. Dificilmente eles pedem eventos específicos: “aqui eu gostaria de ouvir esse tipo de coisa…”

E.V.: Quando a gente vai fazer o som ambiente procuramos identificar elementos que possam contribuir para a história. Você vai pensando no que esse som pode contribuir para a cena.

A.L.: Não é pré-roteirizado. É um processo de criação.

 

A.S.: Como é que essa filosofia de trabalho de som analítica, de você construir elemento por elemento, se traduz na metodologia de trabalho de vocês? Vocês têm uma equipe relativamente grande no 1927 Audio. Como esse trabalho é dividido entre a equipe e vocês?

A.L.: A gente aqui divide o estúdio em departamentos. Temos o departamento de diálogo, de efeitos e de foley. Ao todo, são 12 pessoas aqui em Curitiba mais nós dois. Então, são quase 15 pessoas trabalhando no filme (somando o Armando Torres Jr. em São Paulo). Então, quando começamos o trabalho em um filme, a gente já sabe, por exemplo, o que é foley: aí, o departamento de foley já sai produzindo esse tipo de som, vendo o que eles precisam fazer, gravando, editando. O departamento de diálogo recebe o som direto e começa a edição. No caso desse filme, recebia as dublagens e também já ia fazendo a edição e vendo a necessidade de gravações adicionais. A gente teve, por exemplo, que redublar coisas depois, gravar mais reações, respirações, etc. O de efeito, dividimos em subcategorias, em ambientes…

E.V.: Dentro deste projeto, acabamos chegando em alguma subdivisões específicas de cada episódio. No episódio do futuro, a gente tinha mais um subgrupo das naves; no balaio, a gente tinha mais um subgrupo para lutas de espada e faca

A.L.: Assim como teve o de cavalos e carroças…

E.V.: Dependendo dos episódios a gente fazia divisões diferentes dentro das necessidades do que a gente estava trabalhando.

A.L.: Então isso é subdividido dentro da equipe. Em todo filme, a gente vai ter uma edição de diálogo, uma edição de BG (background), uma de background effects (BG FX), uma de hard effects e uma edição de foley. Aí começam as subdivisões de acordo com as necessidades dos filmes. Então, muitos filmes só têm veículos, outros têm só tiros, outros veículos e tiros, por exemplo. Nesse filme tinha veículos, tiros, cavalos e carroças, sound effects… tinha muitos sound effects. A gente dividiu ainda esses sound effects em “reforços” e os mais abstratos. Para cada grupo desse tem uma pré-mix ainda…

 

A.S.: O que vocês chamam de som de reforço?

A.L.: Quando você precisa compor o espectro, o range, de determinados sons. Em muitos casos, o som natural não dá conta de cobrir a cena. Principalmente quando você precisa de impacto ou de peso. Então, por exemplo, a onça no começo do filme. Tem o rugido dela, as patas, feitas pelo foley, e ainda tem toda a movimentação dela. Se essa movimentação for algo como um som de galho, por exemplo, a gente faz isso no foley ainda. Mas você tinha muita movimentação rápida também. Então, tinha muitos wooshes e whizzes que acentuavam esses movimentos. Eles não são sons abstratos como viagens, eeries... coisas desse tipo. Eles são sons que vão complementar aquela ação junto com o rugido e o foley. Então, são sound effects que no final das contas somam com os outros sons. Quando você está mixando um hard effect e esse outro som vem compor… seja pra acentuar o movimento, acrescentar um range, complementar um grave, por exemplo, ou dar uma textura de som diferente, a gente chama esse som de som de reforço. É um sound effect que não entra na categoria “abstrata”.

 

A.S.: Os sons que a gente escuta quando eles evocam o Anhangá entram na categoria sound effects “abstrata” de vocês?

A.L.: Exatamente! Ali era tudo sound effects.

E.V.: O Anhangá foi outro motivo de pesquisa. Em cada episódio do filme, o protagonista tem um conflito diferente com o Anhangá. A gente tentou produzir então os sons do Anhangá a partir de sons que seriam familiares ao personagem naquele episódio. Para o primeiro Anhangá, da época de 1500 e alguma coisa, tentamos usar sons de natureza, sons processados de bichos, sons que seriam familiares aos índios. O segundo, quando já existiam armas de fogo, era uma outra época, procuramos usar elementos que eram familiares àquele personagem. No terceiro, se não me engano, o Anhangá surge justamente quando o protagonista está sendo torturado, levando choque… a gente usou esses elementos pra criar o Anhangá. E o último é o futurista: o som do Anhangá é praticamente “digital”. A primeira e a última são as mais longas. Na primeira, quando ele toma o chá, e na última, quando ele decide finalmente enfrentar o Anhangá.

A.L.: A gente sempre tenta partir de elementos comuns. A gente não sai sem critério. É claro que você vai ter elementos na imagem que vão te remeter a algum som. No primeiro episódio tem alguma coisa queimando, tem uma fogueira…

E.V.: Na selva você já tem também sons de insetos, corujas, o som da mata… Os primeiros sons que ele começa a ouvir são esses mesmos elementos manipulados já criando uma outra atmosfera. Depois ele começa a ver os portugueses que vêm ameaçar a tribo dele com armas de fogo… e aí a gente vai trabalhando em cima do que o filme está te mostrando.

A.L.: E aí você começa a processar e utilizar esses elementos. No último, quando ele tem esse delírio dele, ele está no meio de uma galera correndo. Então você já pode partir desses gritos, do pânico da galera…

 

A.S.: Eduardo, você que é mais o “sound designer” da turma no sentido estrito da palavra, de criar efeitos sonoros específicos, teve algum em especial que você gostou de fazer?

E.V.: A pesquisa de época foi bem interessante. Primeiro em retratar o ambiente que os personagens estavam e, em segundo lugar, a questão das armas, né? Em qual outro momento eu teria a oportunidade de fazer uma batalha de canhões de navio, por exemplo? Foi também uma oportunidade única de fazer uma batalha de naves e armas futuristas. Isso não é comum no cinema brasileiro. Então todos esses desafios foram super legais. E o próprio Anhangá, o desafio de retratar aquela dor. Tem um crítico que falou que o som dessa parte era insuportável para o ouvido, então a gente conseguiu chegar onde queríamos… (risos) Pois era pra ser isso mesmo, era pra ser a dor, representar o sofrimento.

 

A.S.: Não cheguei a ler essa crítica em relação ao som do filme. O que ela dizia?

A.L.: Eu li uma crítica que falou que uma das piores coisas dessa animação era o som. O cara não gostou do filme, então ele sai falando mal de tudo e quando chega no som fala que foi uma das piores coisas porque ele tentaria compensar o tempo todo as deficiências da animação. Critica o que ele chama de espetáculo sonoro, dizendo que o som é over e que quando chega nos delírios do Anhangá é insuportável para os tímpanos.

Esse é um ponto. A gente se questionou logo que a gente terminou de mixar se estava over ou não. Mas o Luiz queria isso. Ele falava que queria “Hollywood”, esse era o desejo dele. O Luiz é um cara ótimo de se trabalhar. Por exemplo, trabalhando na primeira onça, que na verdade era a Janaína disfarçada de onça. Quando ele ouviu a primeira vez, falou: “Não, essa é ela, não pode ter esse som tão espetacular. Vamos recuar”. Então tá, a gente tinha uma camada de som que era composta com sons mais “humanos”, de voz humana, algo menos impactante. E aí ele ouviu aquilo e disse: “Cara, perde força, né? A gente está fazendo cinema, né? Então, vamos com impacto!”. Então ele não ficou preocupado com purismos…

Aí a gente “soltou a mão” mesmo. A gente se preocupa muito com questões dinâmicas, não gosta de ficar colocando aquele mundo de som o tempo inteiro como muita gente acha por aí… não é isso. A gente tenta seguir exatamente o que a história pede, a cena pede, o que o filme pede. Isso é o mais importante. Nosso trabalho está em segundo plano dentro de um filme. Então a gente só reforça ou acrescenta ou tenta contribuir pra essas coisas. E aí nesse filme, você tem quatro episódios muito intensos, de lutas. Inclusive “Lutas” era o nome provisório do filme.

 

A.S.: A preocupação de vocês é muito mais a de criar um som que seja adequado ao filme do que fazer algo que se imponha sobre ele, chame a atenção por si mesmo…

A.L.: Tem uma coisa que é muito importante dizer: a gente não quer dar espetáculo. A gente trabalha para a história, para o filme, para o que eles pedem. Se esse momento onde o cara vai encontrar o pior inimigo dele, a força do mal… se você não colocar o cara no inferno, não tem essa dimensão dramática que a cena pede. E aí, a gente usa mesmo. Eu não tenho o menor medo de ver os leds todos colados no vermelho. Então a gente usa a faixa dinâmica que a gente pode usar. E eu não tenho o menor problema de pensar: “Ah, eu vou deixar esse som alto e o projecionista na sala de cinema vai baixar o som”. Eu tenho que usar a dinâmica que o filme pede. Então o nível médio.. ok! Diálogos. Mas aqui eu quero colocar o cara dentro deste universo opressor, caótico, etc… vamos lá!

Uma vez, quando a gente fez o Tropa de Elite 1, eu me lembro que quando eu fui assistir no cinema o filme estava tocando muito baixo. Em Dolby Digital, estava tocando mais ou menos em 4.5 ou 5. Só que na seqüência onde tinha aquela guerra dos policiais com os traficantes, aquela cena famosa do rolo 04, do baile funk, que é um grande tiroteio, a mulher que estava sentada na minha frente, no primeiro tiro ela colocou a mão no ouvido e só tirou no último tiro. Todo o nosso trabalho de colocar impacto, garrafa quebrando, tiro… foi para o espaço. Para ela não existiu. Aí eu vou sair dali e vou pensar: “Cara, eu deveria ter feito essa cena mais baixo”. Não! A gente está no meio daquela guerra, todo mundo desesperado, a intenção dramática da cena é aquilo. Então, a gente não quer dar espetáculo, mas quer fazer exatamente o que a cena pede. Essa coisa de imersão, vamos colocar o espectador dentro da história… cinema é pra isso. E o som trabalha nesse sentido. Então eu não seguro a mão. A onça veio ali, foi pra cima do cara… ela vai grudar. “Olha, mas uma onça não tem subwoofer”. Vai ter! (risos) e o subwoofer vai tocar em 0dB. Não tem que ter esse escrúpulo, esse medo. A gente está trabalhando para o filme e neste momento ele pede isso.

 

A.S.: Vocês montam uma sonoteca específica para cada projeto?

E.V.: Sim, quando a gente começa a editar precisa organizar o material antes. Você começa a pesquisar, achar o padrão… ainda mais em um trabalho desse onde você tem um volume de pistas e uma quantidade de eventos, de sons, muito grande. Tem que ter uma organização. Então, você começa a pesquisar o que você vai usar e ter uma noção. Por exemplo: uma batalha que tem tiros, impactos, whizzes e reações. Você vai editar e já tem que pensar em um modo de organizar isso tudo. Eu lembro que a gente fez um banco de som pro Anhangá. Os bancos de tiros e veículos, a gente já parte dos bancos que a gente tem, mas eu lembro que a gente criou também um banco novo para o último episódio só de sons futuristas. A própria gravação lá dos vegetais sendo esmagados etc. foi feita já pensando nesse filme e foi um outro banco de som. Foram vários bancos. Hoje todos fazem parte da nossa mega library que está sempre sendo atualizada.

A.L.: E nessa organização prévia tem uma organização com a equipe. Uma organização da edição, uma organização para a mixagem, ou seja, a organização tem que estar presente o tempo inteiro. Trabalhou com volume de trabalho, com equipe, com pessoas e etapas diferentes, organização é a palavra-chave.

 

A.S.: Como foi o processo de mixagem do filme? Quanto tempo ele durou?

A.L.: A mixagem foi muito rápida. Acho que uma semana no máximo.

 

A.S.: Bem rápido mesmo. Mas vocês tinham pré-mixado algo antes?

A.L.: Sim, esse é o lance na verdade. Eu faço a pré-mix junto com o Armando. Eu faço a pré dos BGs e de parte do efeitos aqui em Curitiba e o Armando Torres Jr. faz a pré de diálogos, walla, música além de outros efeitos sonoros em São Paulo. E esse processo é um processo bem mais longo, claro. Mas é fundamental esse trabalho de pré-mix, especialmente se você tem muitos efeitos sonoros no filme como nesse caso. Aí realmente o pré-mix torna-se algo fundamental. Até para organizar o material. Durante a edição de som, a gente já classifica os diferentes sons em categorias; no pré-mix esse trabalho continua ainda.

 

A.S.: O uso do surround também é bastante expressivo no filme. Logo no começo, durante os créditos iniciais, a platéia é banhada pelos sons que formam o universo do episódio futurista antes mesmo dele ser mostrado na tela…

A.L.: Nossa intenção nunca é fazer um uso espetacular do surround. A gente não acha necessário ter sons por todos os lados o tempo inteiro. O surround serve para colocar o espectador na história, não para distraí-lo.

E.V.: No caso da seqüência de abertura, a gente quis explorar o que a gente costuma chamar aqui de rolo zero. Através do som, tentamos imergir o espectador na história antes mesmo que as coisas se tornem claras para ele na tela. Alguns filmes permitem isso, outros não. No caso do Uma História… a gente conseguiu fazer isso de um modo bem bacana, eu acho.

 

A.S.: Algo que eu percebi é que o uso da música é bem esparso no filme. Ela não chega a se impôr sobre o conjunto do filme e quando aparece não se sobrepõe completamente aos efeitos sonoros que coexistem bem com ela. Vocês chegaram a conversar com o compositor durante o processo de edição de som do filme, essa relação foi de certa maneira orquestrada desde cedo ou foi algo resolvido durante a mixagem?

E.V.: Infelizmente, esse tipo de conversa acontece muito pouco. Esse filme não foi exceção. Nós, durante muito tempo, não conhecíamos a música. E os compositores da trilha também trabalharam sem escutar o que a gente fazia na edição de som. Então, a seqüência do episódio 1, do ataque da onça, todos os saltos, toda a ação foi pontuada pela música de maneira bem expressiva quando nós já havíamos também “coberto” isso com efeitos sonoros bem fortes também. Na verdade, a gente só conseguiu orquestrar essa relação de uma maneira melhor trabalhando junto com a Helena, montadora do filme. Naquele processo de idas e vindas que eu mencionei no início, ela ia tomando decisões com relação ao desenho de som do filme, onde teria música, onde não teria… Outra coisa bacana também foi a vinda do Luiz (Bolognesi, diretor do filme) aqui para Curitiba quando o pré-mix já estava quase pronto, onde ele passou dois dias aqui com a gente, escolhendo também que elemento sonoro iria predominar a cada instante e alterando alguns aspectos da música, criando esse espaço ao qual você se referiu. Então, por exemplo, ele resolvia deixar só a guitarra e tirar a percussão de um trecho, coisas assim. Por isso também que a mixagem final foi rápida. Todas essas escolhas já haviam sido feitas antes. Agora, eu só queria deixar claro que eu não estou fazendo aqui uma queixa específica a esse trabalho. Na verdade, como eu disse, essa falta de comunicação entre compositor e editor de som é de certa maneira recorrente aqui no Brasil e até mesmo no exterior, eu acho. Além do que, é preciso dizer que não houve nenhum conflito entre nós e os compositores também escutaram e aprovaram o mix final do filme.

 

A.S.: Que balanço vocês fazem do trabalho de vocês nesse filme?

A.L.: Para as pessoas estarem comentando e interessadas, mostra que o som é mais “visível” nesse filme, né? É uma chance que a gente teve de exposição do nosso trabalho e isso é bem bacana. A gente está começando a trabalhar em uma outra animação agora, mas é algo completamente diferente. Então, eu não sei o quanto dessa experiência aqui a gente vai usar na outra porque elas são muito diferentes. Agora, se a gente pegasse um outro filme com essa mesma característica, talvez algumas coisas de metodologia ou de conceito, a gente mudaria, eu não sei dizer ao certo. Infelizmente, a gente não tem esse feedback ou o costume de ter esse tipo de conversa aqui no Brasil. As pessoas de som se falam muito pouco, conversam pouco ainda. Mas, no geral, acho que experiência foi bem bacana. A equipe do Luiz é muito boa. A Helena é muito organizada. No final, deu tudo certo. Apesar das dificuldades, eles têm um espírito de jogar junto, uma atuação transparente. Isso é muito legal. Às vezes, você está trabalhando na produção de um filme e está tudo caótico e fica gente escondendo o jogo. Você não sabe o que está acontecendo. E com eles não. Foi muito bacana trabalhar com eles. Ah, outra coisa legal: esse foi também o primeiro filme que a gente fez lá na Full Mix. Depois que a Álamo fechou, o Armando construiu esse estúdio e esse foi o primeiro longa mixado lá.

* Entrevista realizada por Rodrigo Maia Sacic e Bernardo Marquez.

2 Responses to “O Som de “Uma História de Amor e Fúria” – Entrevista com Alessandro Laroca e Eduardo Virmond”

  • Adriano Ferreira Says:

    Galera muito boa a entrevista…
    Realmente aqui no Brasil a galera de som se conversa pouco, quando conversa é pra pegar receitas de bolo!!!…
    Queria encontrar parceiros para montar algo como o SoundWorks Collection .. pegar todos os grandes lançamentos nacionais e fazer uma entrevista com diretor e a gelera de som…

  • Artesãos do Som Says:

    Muito legal a iniciativa Adriano.
    Conte conosco.
    Abs

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