fbpx
Oct 7 2011

A edição de som de “Um conto chinês”

Nos tempos do 5.1, a tônica é sonorizar tudo. Não só que não hajam mais espaços para os silêncios mas principalmente há o predomínio de uma estética do exagero, um hiper-realismo sonoro onde tudo deve soar. Cada abraço é reforçado com um farfalhado de ruído de sala. Numa cena de rua devem soar os carros e as buzinas em todas as caixas. Esse é o papel dos ambientes na maior parte dos filmes, transportar o espectador para cena, fazê-lo ouvir o que se ouviria ali. Os editores de som se esforçam em reconstruir as paisagens acústicas com dezenas de pistas. Muito som, muita informação, onde nem sempre se faz necessário.

A singela edição de som de “Um Conto Chinês” (Sebastián Borensztein, 2011), assinada por Eduardo Esquide, segue um caminho oposto a esse que descrevo, porquê, de maneira inteligente percebe o filme que tem em mãos e aposta numa certa economia dos eventos sonoros, que se nos tempos em que som era montado em moviola a escolha dos ruídos essenciais era um imperativo técnico, hoje ela é rara, principalmente num filme de bilheteria como esse, que contou com mais de um milhão de espectadores nas salas argentinas.  O personagem principal, Roberto, dono de uma loja de ferragens, é um sujeito solitário. Ele conta um a um os 150 pregos que devem compor uma caixa. Não há qualquer som fora da loja, tampouco dentro, além dos sons dos pregos arremessados no cesto. Roberto cozinha sozinho em sua casa. Apenas o som dos legumes sendo cortados. Não há vizinhos, não há carros passando lá fora. Não há existência de nada lá fora. O vazio do personagem é o vazio da banda sonora. Roberto visita seus pais mortos. Não se escutam seus passos. A imagem perde a concretude, se torna etérea. Embora a trilha musical original se articule dentro dos paradigmas da orquestração e funcionalidade típicos do cinema narrativo clássico, a edição de som encontra seu lugar com minimalismo e economia de recursos. Belo! Os únicos passos sonorizados do filme são os de Mari, uma mulher apaixonada por Roberto. Ouvimos atentos, e ele também, os passos dessa mulher, que é sistematicamente rejeitada ao sair de cena. Os passos ganham expressividade que poucos filmes recentes conseguem com sua overdose sonora.

 

Leave a Reply