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Dec 20 2014

O Som de “Relatos Selvagens” – Parte II

Segunda parte da conversa sobre o som de “Relatos Selvagens” (Damian Szifrón, 2014) que ocorreu na CAPER 2014 (Câmara Argentina de Provedores e Fabricantes de Equipamentos de Radiodifusão). O tema desta segunda parte foi o desenho sonoro de ambientes e efeitos. Quem fala sobre este assunto é o editor de som Gonzalo Matijas.

José Luis Díaz, sound designer do filme, comenta que o editor Pablo Barbiere trabalhou bastante. Quando ele terminou, o diretor seguiu editando e mudando a ordem das histórias dentro do filme. E este trabalho durou muito tempo. Quando o diretor terminou de editar, o material foi para pós-produção de som e Gonzalo Matijas começou a fazer o desenho de ambientes e efeitos do filme (ao mesmo tempo que Nahuel Palenque fazia a edição de diálogos).

Gonzalo comenta que um dos maiores desafios do filme foi lidar com 6 histórias diferentes, cada uma com seus momentos de tensão narrativa e desfecho independentes. Num filme normal, existem alguns momentos chaves onde o desenho de ambientes e efeitos é mais exigido. Em “Relatos Salvajes” haviam 6 histórias. Cada uma com suas complicações narrativas que exigiam mais do trabalho de desenho de som. O trabalho do som direto de fazer coberturas de sons nas locações (wild track) facilitou bastante o trabalho na pós-produção.

Na primeira história, “Pasternak”, o trabalho maior foi fazer o som do avião. A história dura 8 minutos e no final o avião cai. Era preciso construir este som (um som de motor constante nos 6 minutos antes da queda e mais um som de motor onde o pitch fosse subindo, simulando uma aceleração). Gonzalo pesquisou o som da turbina de um jet, num ambiente exterior. Na tela é possível ver o print do espectograma da turbina de um avião, onde os harmônicos aparecem como linhas amarela, do lado esquerdo da tela. Do lado direito, o espectograma de um white noise. Com um equalizador, realçou as frequências dos harmônicos e processou o white noise até conseguir o som da turbina de avião que queria. Fez o som da turbina a partir de um white noise porque os sons dos harmônicos, quando gerados sozinhos, soavam muito falso, “de laboratório”. Do contrário, quando os harmônicos eram gerados a partir de um white noise equalizado, o som de freqüências próximas também ajudaram a compor o som desejado. Ou seja, o som tinha um pouco de “sujeira”, o que o tornava mais real.

Além do som da turbina, agregamos loops de foley de movimentações de pessoas, acentos, cintos, vozes, sons de aviões reais regulando o motor, etc. Isso porque um avião real não soa como um avião de um filme. No filme tem que soar bonito, por isso temos que construir estes sons. Gonzalo conta que ao ler o roteiro do filme se lembrou do filme “Flight”, cujo o som foi feito por Randy Thom. Lembra de como Randy Thom conta como fez para que o som das turbinas em “Flight” pudessem ir aumentando de velocidade cada vez mais rápido numa seqüência de 8 minutos. Num trecho do curta “Pasternak”, é possível ouvir o som da turbina e do avião criado por Gonzalo.

Na segunda história, “Las Ratas”, está chovendo o tempo todo. E o desafio foi criar um ambiente que fosse interessante e não soasse como um pink noise. A história dura 20 minutos numa mesma locação. Diferente de outras histórias presentes no filme (como “Bombita”) que tinham diferentes locações e eram como “mini-filmes”. Seria entediante compor o ambiente de “Las Ratas” que fosse uma mesma chuva soando o tempo todo.

O diretor queria reforçar a diferença entre o salão e a cozinha do restaurante onde se passa esta história. Uma maneira de fazer isso foi gravar a chuva neste dois ambientes diferentes. A diferença acústica marcaria os dois lugares. Com o que foi gravado na locação, em diferentes dias e em diferentes lugares da locação, era possível construir uma chuva constante e com várias nuances. Gonzalo comenta que nunca se conforma com um som que consegue em bancos de sons. Sempre prefere buscar sonoridades gravando coisas extras e pedindo para que o som direto também grave coisas específicas que poderão ser usadas no desenho sonoro.

A terceira história, “El más fuerte”. A estrela do curta era o carro. Haviam muitos planos do carro, de todos os tipos (dentro, fora, detalhes de rodas, planos aéreos, etc.). A dificuldade era fazer com que os sons exteriores e interiores do carro parecessem o mesmo. E conseguir esta continuidade com sons de motores é muito difícil. Felizmente, Javier Farina pode gravar as provas com os carros e tudo isso pode ser usado na pós-produção de som.

Javier Farina conta que teve a disposição o piloto que dirigiu os carros. Antes de filmar, ele conseguiu gravar somente o áudio dos carros em diversas situações. Conseguiram interditar as pistas onde estava a equipe e tiveram o piloto e o carro a disposição da equipe de som direto.

Gonzalo mostra como na mixagem fizeram com que as diversas pistas de efeitos soassem diferentes, de acordo com cada plano. Quando vemos as rodas, soam mais as pedras da terra. Quando vemos o carro no plano aéreo, soa diferente. Quando a câmera está dentro do carro, a sonoridade muda também. Na edição, Gonzalo usou os elementos separados (rodas, areia, pedras, motor), para dar opções ao mixador (que neste caso foram Diego Gat e José Luis Díaz).

Cinematograficamente falando, para o mixador é melhor ter os elementos separados. Para que os sons possam corresponder as imagens que estão sendo vistas no momento. Ajuda também a ubicar melhor cada elemento de acordo com cada plano, tornando o som mais hiper-real e imersivo.

Na quarta história, “La Propuesta”, havia algo difícil de conseguir em pós-produção. Eram os gritos da manifestação soando em diferentes ambientes (fora da casa, na sala da casa, no quarto, na cozinha, etc.). Felizmente, uma vez mais, o trabalho do som direto facilitou o processo de pós-produção. Reconstruir uma manifestação em pós-produção é complicado e nunca será igual a uma manifestação real. Javier Farina comenta que gravou vários wild tracks, onde posicionou microfones estéreos com diferentes distâncias e em diferentes ambientes, para dar opções ao trabalho de edição de ambientes e efeitos.

Na quinta história, “Bombita”, a parte difícil foi fazer a demolição de um edifício (Gonzalo mostra um print da sessão de Protools, somente as pistas de efeitos, onde é possível ver os markers das explosões que aparecem na tela).

José Luis comenta que durante a mixagem foi preciso acrescentar alguns golpes, em pontos específicos onde se viam as estruturas do edifício se partindo, numa tentativa de tornar a cena mais real. Mesmo sendo uma explosão, durante a mixagem não usaram o canal SubWoofer, apenas o LCR. E, durante a mixagem, fizeram um movimento de paneo que acompanha a queda do edifício demolido.

A sexta história é “Hasta que la Muerte nos Separe”. O curta tem muitos extras e, recriar isso em pós-produção é muito difícil. Mais uma vez, os wild tracks do som direto salvaram a edição de ambientes e efeitos. Javier Farina comenta que conversou e teve que convencer a produção para que o som direto pudesse aproveitar a ocasião de ter todos os extras e tudo montado para filmar, para gravar quantas coberturas de som fossem necessárias. Pois, mais caro e mais difícil seria tentar reconstruir essas situações na pós-produção. Gonzalo Matijas complementa que, o bom trabalho do som direto e essa preocupação de gravar coberturas (wild tracks) se dá porque Javier Farina entende de pós-produção e sabe o que o editor pode precisar. Saber planejar é fundamental para o bem dos filmes.

Continua…

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