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Jun 10 2011

Entrevista com José Luiz Sasso: Parte II

Dando continuidade a entrevista com José Luiz Sasso

Artesãos do Som: A Dolby vai fechar as portas então?

José Luiz Sasso: Veja lá. A Dolby não está nem um pouco preocupada. A Dolby é uma empresa monstruosa. Ela não vive em função do cinema. Entra no site da Dolby. Meu… é telefonia celular, comunicação por satélite. A Dolby hoje tem patentes em relação a transmissão em 5.1, o Dolby E, que eles acertaram na mosca. Pra você transmitir 5.1 em dois canais pra televisão digital, uma coisa leve. A Dolby já deixou de fazer um monte de equipamentos que a gente usava pra cinema.

O que eu quero dizer é o seguinte: a pessoa que vai à sala de cinema, o espectador, se ele estiver bem atendido no básico, tendo uma projeção mais ou menos limpa, com foco, ele consegue ouvir o que acontece no básico, ele está feliz. Não é uma questão de você chegar e falar: “Não, porque o cara quer ouvir em THX, 7.1…”. Esse não é o espectador. Então, você vai ter um novo rumo. Veja bem, hoje você já tem o 3D dentro da sua casa. Se o problema é o 3D, se o problema é o 5.1, você vai ali nas lojas Bahia e compra uma televisão de LED 3D que pesa menos de 3Kg, e você assiste na sua casa com o som melhor que no cinema. Hoje você tem lá na sua casa uma tv que está ligada no computador e você baixa da Net Vídeo não sei das quantas, paga uns 30 reais por mês e assiste em HD na sua casa, ou em full HD.Sabe? Eu posso dar pausa, vou no banheiro, faço xixi, resolvo comer pipoca e vou lá na cozinha e faço, e depois continuo. Me encheu, puta filme ruim. Paro e pego outro.

Você tem que imaginar que o mundo está indo por outro caminho. As televisões estão investindo cada vez mais em minisseries, em programas 5.1, principalmente as TVs a cabo. Isso faz parte da democratização dos sistemas. Hoje você tem internet banda larga (tudo bem que no Brasil 1MG é banda larga. Na Coréia isso é sinal de fumaça né? Risos…) Mas digamos, dentro de mais cinco anos, 10 MB de trânsito é um número legal… com 10MB de trânsito você já baixa coisa boa pra caramba.

Esse evento de ir ao cinema é uma coisa meio teórica. Hoje você vai porquê o cinema está dentro do shopping, está tudo preparado. Hoje você não vai no Cine Windsor, na rua 24 de março… nem lembro mais, nem existe mais. Você ia ser assaltado lá. Então, você vai no shopping. Mas por quê? Porque lá você tem lanchonete, você vai fazer compra, vai passear… não interessa o que você vai fazer lá. O cinema é acessório dentro daquilo. Como é a praça de alimentação. Quais são as duas coisas mais importantes dentro de um shopping? A sala de cinema e a praça de alimentação. O resto gira em torno disso. Se você construir um shopping sem praça de alimentação e sem sala de cinema, esse shopping vai ficar às moscas. E quem vai lá, sendo bem atendido no mínimo… E o mínimo não significa que ele vai assistir um filme ruim, com o som ruim, não é isso. Mas se você tem um mínimo de qualidade, ele vê, entende perfeitamente bem as legendas, a pipoca está boa, ele está feliz com isso.

Se o pessoal avacalhar demais na manutenção das salas, vai acontecer alguma coisa parecida exatamente como aconteceu na década de 1970 e 1980 no Brasil, ou dentro do cinema mundial, quando tudo era mono e você só tinha como referência a rádio AM. Que era um som ruim. O disco era 78 rotações e em tese o som também era ruim. Tudo era ruim por igual. E o cinema era ruim também, mas era um ruim padrão. Era ruim hoje! Naquela época era top. Aí no dia que um cara descobriu a Frequência Modulada, o cara da rádio AM falou: “Nossa, que diferença de som”. Aí aquele cara que ouvia disco 78 rpm, começou a ouvir os discos de alta fidelidade de 33 1/3. Pensa comigo: quando eu fui pra Califórnia a primeira vez na minha vida em 1984, eu conversava com o Don Rogers, que era o cara da Warner Sound Facilities, e tinha um outro cara chamado John Bunn… Ele dizia o seguinte: “Zé Luiz, daqui dez anos o som será digital no cinema”. Aqui nem se fala nisso. Quando muito, você sabia que tinha PCM, gravado em fita U-matic ou em fita VHS. Ele já estava falando que ia ter cinema digital. E exatamente, foi em 1992 que começa a surgir os primeiros testes do Dolby Digital, do DTS… em 1994 já estava consolidado o sistema. Ou seja, a partir de 1995 já havia se espalhado o digital no mundo, pra entrar no Brasil só em 1998. Até que dessa vez a gente não perdeu em vinte, dez anos… Então eu ouvia isso… e em 1994 eu voltei pro Brasil maravilhado que o som ia ser digital no cinema… as pessoas riam da minha cara. Já se falava de tudo isso lá na terra mãe da tecnologia.


AS: Mas com toda essa evolução, como você acha que fica quem já nasce nesse mundo digital e não tem contato algum com a película, com o Nagra, com a moviola…

JLS: Isso é uma nostalgia. O que eu acho que é errado é essas pessoas novas que estão fazendo cursos nesse mundo digital não serem informados do que houve a apenas dez, quinze anos atrás, por exemplo. Então, não quer dizer que o cara tem que operar um Nagra, isso não tem mais sentido. Mas pelo menos, o cara tem que ter uma noção de que houve um período na história da humanidade que tudo era analógico, houve válvula, transistor… hoje tem chip e vamos ter mais coisas. Mas tem que ter uma noção que houve uma época em que precisava levantar pra mudar o canal da televisão, a câmera era a corda ou a manivela, se gravava disco de uma forma que era praticamente na talhadeira. Agora, o que me irrita é essa nova geração que entra nessa tecnologia digital sem saber como era um pouquinho antes, o quê que levou a isso. E isso as vezes não é transmitido para as novas gerações. Eu sugiro que todos vão conhecer a Cinemateca Brasileira onde tem expostos os equipamentos, o Museu de Imagem e Som também, para ter uma ideia do que nós estamos falando. Então, as pessoas não tem mais essa noção do que trouxe essa realidade atual. Mas também não adianta querer reviver aquela época, aquela lá morreu. Eu não sou defensor do mundo digital, porém eu não fico fazendo apologia do mundo analógico. Porque, no mundo digital nós estamos ainda muito abaixo. Agora que as coisas realmente estão se tornando digitais no sentido literal da palavra. Ou seja, o seu gravador é um hardware digital. Não tem disco ali dentro que gira, nada. Você ta gravando tudo isso em uma mídia sólida. Computador é a mesma coisa. Hoje, ainda tem hard disc.Então, você está gravando digital em uma mídia analógica. Como você grava também digital em fita HD. Você ainda está gravando coisas digitais em mídias analógicas. Na hora que você passa a gravar em um cristal de Quartzo, meio Jornada nas Estrelas, tudo bem. Claro, você sempre vai ter que ter uma massa que receba as informações. Não da pra você gravar informações no ar. Então, você não vai ter mais motorzinho que gira, correntinha que vira… porquê é em um estado sólido. Daqui cinco anos isso já vai ser mais do que normal. E é muito rápido essa evolução, como foi a evolução do CD.

Eu me lembro que você ia nas lojas de discos e tinha um monte de vinil. Tinha lá também umas cem peças de CD que custavam uma fortuna. E aí, cinco anos depois é o inverso. E agora, houve uma retomada. Claro que não nesse nível, mas há um certo saudosismo do analógico… porque as pessoas são saudosistas. A mesma coisa com o VHS. Era o U-matic que era uma bitola “amadora” e aí teve a consolidação do VHS. Aí de repente começa a aparecer um DVDzinho, umas máquinas que custavam quatro, cinco mil reais. E hoje você compra um aparelho de Blue-Ray de alta definição por 250 reais. E olha que o Blue-Ray pra mim é um formato que já nasce abortado. Você consegue com a mesma qualidade na internet. Você entra lá no site do Terra Cinema, por exemplo, ou outro aí… você paga seus 30, 50 reais e já tem os filmes na sua casa com a mesma qualidade. Então, o Blue-Ray é uma bitola, é um formato… é que nem o DAT. Quando inventaram a fita DAT, que tem gravação digital, foi um alarde. Eu dizia: “isso tem data de validade comprovada, não vai chegar no ano 2000”. Ainda você usa fita de 1/4 de polegada por incrível que pareça. Tem umas pessoas saudosistas que ainda usam fita de 1/4, mas DAT não. Eu não vou entrar no mérito. Cada um tem um gosto. Tem uns loucos que resolvem fazer o som direto em um Nagra, mas o DAT não tem. O DAT é uma bitola que está esquecida. Eventualmente alguns mastersde filme que foram gravados em DAT vão aparecer em algum momento, mas era uma fita frágil, era uma mídia frágil. E outra, ela foi feita pra você ouvir música nos chamados Datman, que você podia colocoar duas horas de música, 120 minutos. Era bom pra isso. Já o DA88 é uma mídia segura. Você guardar masterem DA é legal, é uma mídia física digital que te dá um pouco de segurança. Eu não tenho bronca do DA não. Até achava que eles tinham que pegar, igual esse formato da DV por exemplo, que tem fita até de duas horas… e poder gravar dezesseis canais digitais pra você guardar matrizes fora de datas. Mas isso também é um pouco de devaneio da minha parte. E não tem muito sentido porquê você não tem mais fita. Lá fora tem, aqui não. Aqui no Brasil ter até fita Beta já é tempo antigo. O que eu quero dizer é que a obsolescência hoje é muito rápida. Eu sei que hoje eu tenho aqui no estúdio a mesa mais moderna dentro do Brasil. E se não for uma das mais moderna da America do Sul inteira, com tudo que eu tenho direito. É o último modelo que foi feito e tudo mais. Até hoje, porque se amanhã eles lançam outra, acabou, a minha já é obsoleta.


AS
: Com o boato do anúncio dos encerramentos das atividades da Álamo, como você acha que fica o mercado?

JLS:O país vive de boatos, mas realmente saiu na internet que a Álamo está encerrando as suas atividades. Seja lá pelos motivos que for, mas é uma estrutura grande. E hoje, o grande problema que a gente tem no mercado é exatamente essa coisa da concorrência. Então, quanto menor for a sua estrutura, quanto mais enxuta ela for, você tem mais margem de negociação de números. E o mercado hoje é assim, não só em cinema, em tudo. É uma coisa do mundo moderno. Então, a Álamo, como tem uma estrutura grande, acredito que o problema maior seja conseguir adequar números à realidade econômica. Mas é um puta estúdio. Com a democratização dos equipamentos, o que existe hoje é um monte de gente que tem ProTools, Macintosh, lá no quarto de casa, na garagem… edita, mixa e entra num estúdio grande já tudo meio pré-preparado. E em vez de gastar 200 horas dentro de um estúdio de mixagem, eles vão gastar 40, 60, 80 horas só pra fazer um meia boca naquilo e tudo bem. Isso é um problema sério. É bonito na teoria que agora está tudo democratizado, mas também, vamos falar sério, a quantidade de picareta que tem no mercado é bastante razoável. E isso respinga pra todo mundo. Hoje no Brasil, sem contar o que se fecha, se abre, enfim… vamos começar pelo Rio de Janeiro.

No Rio de Janeiro você tem o CTAV, a RobFilmes, a Meios&Midias, a Delarte e o Mega-RJ. Você tem 5 estúdios credenciados pela Dolby (5.1) no RJ. Em São Paulo você tem o Mega-SP, a Álamo e a JLS. São 3. Os dois maiores estúdios em termos de tamanho estão em São Paulo. Que é a Álamo e a JLS. Sendo que o estúdio da JLS hoje é um pouquinho maior que o da Álamo. É 1,5m maior, mas é um pouquinho maior e obedece a um outro critério de construção, de acústica. Está construido dentro dos níveis atuais, dos conceitos atuais. A Álamo foi reformada para ficar dentro dos conceitos atuais. Aqui não. Quando eu fiz o estúdio já foi dentro dos conceitos atuais.

AS: Quais são esses conceitos atuais?

JLS: Acústica, facilidade de equipamento, locomoção, trânsito, layout, tecnologia. Enfim, eu trabalhei na Álamo 17 anos e jamais vou falar mal de uma empresa onde eu trabalhei, gosto deles e sinto pelo que está acontecendo… porque está saindo do mercado, se é que realmente isso vai se concretizar porque reviravoltas acontecem. Sinto muito que isso vai acontecer porquê é um estúdio que sempre se manteve coerente dentro do mercado. Mas no caso da Álamo, o conceito de acústica… é uma estrutura da década de 1980. Por mais que você reforme, existe aqueles conceitos da década de 1980 onde a gente não pensava nessa coisa de você ter o cliente depois da mesa. Era antes da mesa, tinha os sofás; as dimensões, a maneira onde a mesa está posicionada, é tudo um pouco diferente. Então, você tem que se readaptar a isso. Aqui, tem a vantagem que já foi feito assim.

Então, aqui o cliente realmente senta lá atrás, ele tem a tela na sua frente, tem o mixador logo a frente dele. Isso tudo facilita muito o trabalho de todos. Como aqui tudo é “splitado”, o editor de som tem uma mesa pra ele comandar um equipamento a parte independente do que o mixador está fazendo na mesa. Ele tem monitoração própria se ele quiser de imagem ou de áudio, via fone. Se ele precisar corrigir alguma coisa já pode trabalhar em rede. Tudo isso já foi pensado exatamente pra isso. Agora, se outros estúdios vão fechar realmente… a gente vive de boatos. Trabalho, em tese tem pra todo mundo. Mas da mesma forma que eu falei da história da democratização, esse tipo de custo respinga em todos nós. Ah, mas o produtor não quer sempre o melhor? Na teoria deveria ser isso, mas a gente sabe que na prática não é bem assim. Na prática o que vale é o preço. Então, se um cara está aí com vontade de crescer e não sei o quê, e faz por qualquer preço, independentemente da boa ou não qualidade… E aí produtor prefere pagar um estúdio só pra dar uma “meia boca” e o cara… é o famoso “papagaio que come milho, periquito leva a fama” ou o inverso, seja lá o que for.



Entrevista com José Luiz Sasso: Parte III

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