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Oct 4 2011

A Finalização de Som em “Trabalhar Cansa″

 

Desde “Pscicose” todo e qualquer espectador aprendeu a importância da trilha sonora para o universo do terror e do suspense. O que muitos não perceberam ainda é que em outros filmes de Hitchcock simplesmente prescindem da música e mesmo assim não causam um impacto menor, como em “Os Pássaros“, ou usam a música quase sempre dentro da cena, como em “Janela Indiscreta“. Assim também são os curtas de Marco Dutra e Juliana Rojas, e também este “Trabalhar Cansa” que acaba de estrear nos cinemas. Tanto melhor que o espectador não perceba o quanto está sendo conduzido e manipulado por um universo sonoro construído e manipulado inteiramente.

No filme, os aspectos fantásticos se misturam ao terror das relações de trabalho cotidianas. Seguimos uma proposta de som que não ferisse o realismo da cena, mas que trouxessem os detalhes de cada movimentação, que desse vida a cada espaço, que tensionasse. Para isso, tínhamos elementos em cena como geladeiras (na casa e no mercado), cachorros na rua, trânsito, músicas natalinas, rádios de pilha, etc. O mais importante para atingir o grau de detalhamento e realismo que pediam os diretores, era fazer um bom ruído de sala (foley). As condições de produção hoje em São Paulo de um bom ruído de sala são quase inexistentes. São, no mais, salas adaptadas, mal equipadas, pequenas e caras para a produção de orçamento modesto que tínhamos nas mãos. Como não há um estúdio para isso e tampouco há preocupação dos produtores, o ruído de sala acaba por sofrer uma carência de artistas de foley profissionais. A solução foi alugar um estúdio modesto para fazer o grosso das gravações, recorrer a algumas gravações de campo com o gravador portátil Zoom H4n e um par de microfones cardióides Neumann km 184, e para gravar a parte mais difícil e delicada (os passos e o farfalhar das roupas), alugamos por um dia o extinto estúdio da Álamo. 

Com uma estrutura construída nos anos 60, a Álamo tinha uma sala grande e silenciosa como nenhuma outra. No entanto, por ser uma gravação extemporânea, apressada, o material não estava como queríamos. Os artistas de foley, por exemplo, eram músicos que já haviam sido artistas de foley, mas que não conseguiram se manter no mercado. Assim, até o final, tivemos que estar atentos a editar, somar ou substituir passos por sons de banco e chegar a uma síntese usando todas as nossas possibilidades. Talvez o farfalhar das roupas seja o que mais ficou aquém do que imaginávamos para o filme, e isso não foi nenhuma novidade pra gente. Os ruídos com registros muito altos, ou seja, agudíssimos, acabam por depender muito do trabalho dos conversores digitais. Outro agravante é o fato de ruídos de roupa e passos leves possuírem pouca intensidade de som. A solução é sempre aumentar o ganho, e então começam os problemas: todo o sistema (pré-amplificadores, cabos, microfones, conversores, isolamento acústico e tratamento acústico da sala) passa a trabalhar no seu limite, e o resultado disso tudo muitas vezes é muito chiado e pouca definição.

Mas a chance de a um baixíssimo custo ter um gravador em mãos, possibilitou uma edição de ambientes riquíssima. Momentos com vozerio (walla), que sempre foram um tormento pelo fato dos famosos bancos de som não estarem em português, iam sendo resolvidos com a pesquisa de campo. Gravamos também muitas geladeiras para compor as tensões do supermercado. Gravamos muitos cachorros para construirmos a presença deles como verdadeiros personagens ocultos. O som então, entrava como recurso para preencher uma lacuna de produção: havia uma cena em que apareciam os terríveis cachorros, mas creio que o adestrador havia acostumando os animais aos sorrisos das publicidades; se cogitou uma refilmagem, mas não havia mais dinheiro.  A sugestão: o projeto comportava o som fora de quadro.

Perguntaram certa vez a Walter Murch como ele havia feito determinado som de briga, com um lindo reverbe. Ele respondeu que naquele tempo eles tinham bons cronogramas e orçamentos para fazer o som de um filme, então podiam ir gravar direto nas locações. Hoje, o custo disso pode ser mais acessível, já que o custo e portabilidade dos equipamentos ficaram melhores. Mas se, por um lado, a tecnologia permite acesso a recursos antes proibitivos, por outro ela pode significar uma economia no equipamento de monitoração e mixagem. Por sorte, pudemos mixar na JLS, em uma sala imensa, com mesa de última tecnologia e monitoração impecável, e o trabalho de mixagem de Paulo Gama. Assim, creio que foi um filme de poucos recursos mas que, aos poucos, conseguiu economizar nos momentos certos, sem nunca deixar de ouvir com rigor e buscar o melhor resultado.

Trabalhar Cansa ganhou o prêmio de Melhor Som no Festival de Paulínia 2011.

Por Daniel Turini e Fernando Henna.

 

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