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Jun 6 2011

Entrevista com José Luiz Sasso: Parte I

 

Na última semana passei uma tarde na JLS Facilidades Sonoras batendo um papo com José Luiz Sasso. Gostaria então de dividir aqui as idéias exploradas. Pela extensão da entrevista, vou partilha-la em III post. Ok? Então, vamos nessa!

Artesãos do Som: Em seus 44 anos de carreira, qual o panorama que você faz desses últimos dez anos na produção sonora do cinema brasileiro?

José Luiz Sasso: Desde que o som digital se tornou padrão. Isso começou a partir de 1998… Então, 2000 já é um tempo bom. A partir de 2000 já temos muitos filmes começando a finalizar em 5.1. E a partir de 2004, já nem se discutia mais. Todo filme já era finalizado em digital. Até 2004 ainda aparecia algumas produções finalizadas apenas em Dolby Stereo, mas já não tinha muito sentido. Já não existia mais Hi8, estamos só em cima do ProTools. É ProTools pra cima e pra baixo, enfim… Então assim, claro que houve uma melhora. Conceitualmente houve uma melhora, tecnicamente houve uma melhora, mas também houve essa pulverização de trabalhos pra pessoas ou profissionais que não são profissionais ainda. Melhorou por um lado, mas ao mesmo tempo, veio a contra partida. Muita gente nova entrando no mercado sem preparo e estragando aqueles que tem preparo.

Então, era aquela coisa. Eu já passei por isso outras vezes. No fundo no fundo não tenho surpresa nenhuma. Mas não da nem pra discutir. Tivemos um crescimento de trabalho, de produção, de qualidade, tudo cresceu. Mas você sabe que o gráfico não é uma eterna subida. Então, haverá um momento de pico. Nós estamos chegando nele, está muito próximo, se é que já não começou a decaída. Se você pegar aquilo que foi feito nos últimos 2 anos em relação o que está acontecendo esse ano, temos uma queda razoável de trabalho. Aqui na JLS, por exemplo, de alguma forma é um reflexo. Então, se do ano passado (de janeiro até exatamente agora, final de maio), eu tinha enviado alguma coisa como 38, 35 estimativas ou orçamentos. No mesmo período desse ano agora, só coloquei 21, 22. Em números redondos, teve entre 40%, 50% de queda. Ou seja, estão filmando menos. E outra, é a coisa de você hoje ter no mercado o padrão baixo orçamento. São esses orçamentos de 600 mil reais, mas que você não consegue finalizar o som de um filme. Você tem um mínimo. Pra você fazer um filme de baixo orçamento de 600 mil reais, se você imaginar que o cara vai gastar em edição de som, mixagem e print master 60 mil reais, que seria um número razoável, próximo de 10%, ele não vai conseguir. Agora, é interessante que se diga isso: Se você tiver um filme de grande produção, não significa que você vai gastar 20% na finalização de som. Ao contrário, você vai gastar 7%. Se tiver um filme de 2 milhões de reais, você vai gastar na finalização de som 90 mil reais, que não são 10%. Só que existe um mínimo que não pode ser menor que aquilo. Então, se você faz um filme com baixo orçamento de 600 mil reais e quer ter um acabamento bem feito, você vai gastar no mínimo (com preço de amigo, vizinho, companheiro, quase irmão) 60 mil com edição e mixagem. E já está na margem mínima. Play, Rec, na régua. Sem entrar muito nessa de “Ah, agora vamos fazer a pré de…”, esquece.

 

AS: Mas isso é um pensamento de produtor ou…

JLS: Não, o cinema é subsidiado pelo governo. A nossa indústria cinematográfica tem o nome de indústria mas é totalmente fictícia. O dia que o governo fechar a torneira, acabou a indústria do cinema, como acabou a indústria da cultura. Independente do que aconteceu lá na época do presidente Color, nem me cabe aqui ficar discutindo isso… Eu comecei lá na época do INC [Instituto Nacional de Cinema], depois virou a Embrafilme, depois Concine… passei por todas. Todos os planos econômicos a partir da minha consciência de ser humano… Então vamos dizer, a partir de 1964, quando eu tinha lá meus 13 anos de idade e tinha noção do que acontecia, e comecei a trabalhar aos 17 em cinema… Tudo que aconteceu de 1967, quando eu entrei na Arte Industrial Cinematográfica, até hoje, com todas as crises que teve o país e o cinema, eu passei. E é aquilo que eu to falando: sempre foram ondas onde você tem os picos e os vales. Chegamos em uns picos… Nesse momento nós estamos em um pico e a tendência agora é cair para o vale. De que forma vai cair eu não consigo dizer, mas que há uma tendência… inclusive pela própria situação do mercado mundial, pela própria situação do cinema mundial. A película cinematográfica tem seus dias contados.

 

AS: Disso que gostaria de falar agora. Vai acabar a película…

JLS: Em tese. Eu as vezes entro em alguns fóruns para ver, as vezes só como ouvinte ou espectador, enfim… nem discuto muito porquê as vezes me falta até subsídios e conhecimento, porquê tem muita mudança muito rápida. A gente vê o seguinte: a película cinematográfica do jeito que agente conhece, o processo fotoquímico, de alguma forma vai acabar. Aquilo que era dito lá a alguns anos atrás… 10, 12 anos atrás… que jamais o digital atingirá a qualidade da película e tudo mais… eu sempre soube que aquilo era uma balela, como já era naquela época. Só que sempre teve aqueles puristas e tudo mais. Desculpa, a evolução do ser humano, da humanidade, ela é absolutamente plana. Ela tem um trajeto. Então, hoje você sabe que a mídia digital tem qualidades muito superiores à película cinematográfica. Aquilo que na película cinematográfica era um calvário… Se fazer um filme em 3D em cinema usando película era uma coisa assim… lançamento de foguete da década de 1960 para se chegar na lua. Você sabe que saía. Agora, se chegava era outro problema. Tanto que alguns nem chegaram. O problema é esse. Então hoje, com essa tecnologia digital, que é essa coisa que eu chamo de democratização dos sistemas (eu falo muito isso porquê eu acho que virou isso mesmo). Então, hoje o cinema digital é um fato, está melhor e a película cinematográfica vai sumir. Porque, não vai mais precisar de celulóide, revelação, óxidos e banhos. Não tem mais sentido.

AS: E aqui no Brasil, como você acha que vai ser?

JLS: Eu acho que o Brasil vai ser um dos primeiros. Veja, nós temos alguns problemas sérios. O custo Brasil é alto. Eu, com estúdio de som, não consigo competir com o Chile e a Argentina. Porque aqui, qualquer coisa que você coloca você importa… Você tem que importar porquê não existe indústria brasileira nessa área. Infelizmente não existe. Qualquer coisa que você vai importar você paga 70% de imposto no mínimo. Fora o frete, o seguro e todas essa coisas. Você não vai trazer uma mesa de som de 500 mil reais e não vai fazer o seguro. Você tem que fazer financiamento, que é muito difícil também de fazer dentro das linhas de crédito. O cinema não favorece essa infraestrutura. Isso é a coisa mais absurda.

Então, com isso tudo, a chegada dos sistemas digitais de alguma forma, pra nós que temos o custo Brasil elevadíssimo, vai melhorar muito. Vai melhor pro produtor, pra filmagem e principalmente pra última etapa que é a exibição. Então, você não vai mais gastar dinheiro com 30, 50, 100, 200 cópias em um filme. Você vai entregar isso através de um disco, através de fibra ótica, através de satélite, ou através de não sei lá que cazzo for… Você exibe aquele filme em 200 salas simultaneamente a partir de 1 matriz. Logo, o custo da exibição, a projeção, vai diminuir muito. Agora, eu não sei o quanto de fora vai vir pra cá que vai abafar… do jeito que tem hoje: “Ah, não conseguimos projetar os filmes brasileiros porquê as empresas cobram…” Eu não sei o que vai acontecer porquê lá fora também vai acontecer isso. Mas de qualquer forma diminui um pouco os custos. Os custos com certeza devem diminuir de algum lado. Mas é impossível prever.

 

AS: E pro som?

JLS: O som não vai mudar muito. Veja bem, o som já tem uma tradição no digital. No mínimo, o som já está adiantado em relação à imagem no mínimo 10 anos praticamente. A imagem… Nesses últimos quatro, cinco anos a imagem deu um salto absurdo de qualidade, de sistemas. Hoje, você pega qualquer celular e você filma em HD e fotografa em HD. Alguns anos atrás você ia comprar uma câmera e você pagava uma fortuna. Hoje, você tem celular que tem isso. Tem filmes que estão sendo feitos com máquina fotográfica em HD. Coloca lá na filmagem. Acabou, você troca o cartucho, descarrega no laptop. É óbvio que isso vai baratear custo. Agora, no som… O quê que vão inventar mais? Não vai ter mais Dolby, não mais DTS, não vai ter mais SDDS, não vai ter mais nada. Não tem por quê ter esses sistemas.

Vamos para o outro lado agora. Vamos voltar lá pra década de 1970… Porque, você não vai mais precisar colocar decodificador, não vai ter mais equalizador de sala. O exibidor vai chegar e falar assim: “Pra quê que eu vou gastar 20 mil dólares em um equalizador gráfico para que a sala tenha tanto de reverberação…”. Ele não vai gastar isso. Sinceramente, eu acho que da mesma forma (não sei se da mesma proporção porque isso é difícil de dizer) que você vai ter toda essa evolução, nós vamos ter alguma coisa que vai retardar. Nós vamos regredir em algumas coisas. Uma das coisas que eu acho que a gente regride é na padronização das salas em relação ao som. Isso já existe agora. Hoje você tem 2 mil, 2.500 salas no Brasil. Mas quantas são realmente padronizadas? Mil? Então, o cara vai por pra exibir de qualquer forma. “Mas e o som?” “Ah, vai assim mesmo”.

Essa é uma visão minha absolutamente pessoal. Ninguém precisa concordar comigo ou descordar. Mas eu vejo assim daquilo que eu já vi antes. Sabe? Nós sempre entramos atrasados em todos os processos de finalização, principalmente de som. O Dolby Stereo já existia comercialmente desde o começo da década de 1970, sendo que o Star Wars foi o primeiro (que na verdade foi o episódio IV, né?) que lançou o som Dolby Stereo comercialmente no mundo. No Brasil, a gente só entrou em Dolby Stereo em 1988. A Álamo entrou em Dolby Stereo com o José Luiz, com o Renato, com o Wagner, com Carlinhos e as pessoas que estavam lá naquela época. Então assim, treze anos de atraso. Aí, nesse período de 1988 até a fechada do cinema em 1992, quando o Collor fechou a Embrafilmes, quantos filmes em Dolby Stereo o Brasil fez? A Álamo fez 20, a RobFilmes (que era o outro film studio) fez 20. Então fizemos o quê, 40 filmes em Dolby Stereo? Aí, tem essa trombada do Collor. Para com tudo. E quando retoma, já retoma com workstation de áudio. Aliás, a própria Álamo de novo, na época do waveframe. E já com o Dolby SR no topo. Já não tinha mais o Dolby A. Só que o Dolby SR já existia desde 1988 quando a Álamo começou em Dolby A. Em 1992 já se falava de Dolby Digital. O Dolby SR era igual o Dolby Stereo só que você tinha uma faixa dinâmica maior. Começou com o CP50 [CP: decodificador “Cinema Processor”], depois com o CP55, depois o CP65; de intermediário teve o CP45 que já era digital. O CP65 já era desenhado para o Dolby Digital. E no Dolby SR já tinha o subwoofer. Então era 4.1, era emulado o subwoofer,mas existia. Já no Dolby A também existia, mas aqui no Brasil nem se falou, ninguém nem sabe que existiu isso. Aliás, eu mixei um filme em 4.1, que é o filme da Turma da Mônica com aquela cantora… a Tetê Espíndola. Aquele filme teve o componente 4.1. Era Dolby Stereo 4.1. Foi o único.

Essa coisa toda que a gente está sempre atrasado, atrasado… Hoje, a gente está competindo focinho a focinho. Estamos correndo junto. A tecnologia, a democratização do equipamento, isso fez com que todo mundo pudesse mais ou menos seguir o mesmo rumo. Antigamente isso era complicado porquê tinha máquina perfurada, aquelas coisas do magnético, precisava de uma estrutura gigantesca pra você fazer um filme. Hoje isso foi por terra, está tudo mais simples. Mas ao mesmo tempo você faz com que avanços que a gente obteve de padronização, standards e tudo mais, começam a ir por terra também. E isso já é. Você vai em várias salas de cinema… você entra lá e fala: “Pqp, porque que eu paguei essa #&%d@”. Ou seja, pode acontecer de ter um retrocesso seguindo a filosofia do “vamos gastar o menos possível”.

 

AS: Mas e com o THX? Não é uma padronização?

JLS: Esse negócio de THX… Vamos falar sério. O THX hoje não é nada. O THX era THX quando era George Lucas. Agora é “made in China”. Hoje eles credenciam qualquer sala em THX. O que interessa é ganhar os dólares por ano de cada. Quantas salas THX tem no Brasil? Não chega a cinco. Mesmo nos EUA, nas salas novas que estão abrindo, ninguém está preocupado com THX. É um ideal… É aquilo que eu falo: você tem picos. É Dolby Stereo; vai para… ele se manteve, se matem. Aí entra THX dentro desse processo… mas vai chegar uma hora que isso começa a decair de novo.

 


Entrevista com José Luiz Sasso: Parte II

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